“25 Março, 1989 – A fotografia infravermelha ‘acima de ultra-secreto’ supostamente tomada pela sonda soviética Phobos II, mostrando um objeto aproximando-se da lua marciana. Estimativas dizem que o OVNI tinha aproximadamente 25 quilômetros de comprimento”. [UFO magazine, vol.7, n.1, 1992]
Muito antes que bombardeássemos a Lua, os soviéticos já teriam equipado uma sonda com um “laser extremamente poderoso” a ser disparado contra Fobos, uma das luas de Marte. “Tudo corria bem”, escreveu Don Ecker, da UFO magazine americana (sem relação com a homônima nacional), até o fatídico 25 de março de 1989. “Alguma coisa” deixou a sonda rodopiando descontroladamente até que perdêssemos contato.
“De acordo com Zechariah Sitchin em seu livro Gênese Revisitado, o boato circulando era de que a espaçonave soviética teria encontrado um ‘OVNI’ gigantesco enquanto estava em órbita marciana. Em seu livro, Sitchin incluiu uma foto que os russos divulgaram, mostrando uma grande sombra oval refletida em Marte. Sitchin diz que as poucas fotos que Phobos enviou antes de desaparecer nunca foram divulgadas pelos russos, e que eles trataram todo o assunto como ‘acima de ultra-secreto’”.
Intrigante, não? Guerra interplanetária com naves alienígenas gigantescas, conspiração e uma fotografia ultra-secreta? A solução na continuação.
O conhecimento vos libertará
Quem imaginaria que vinte anos depois, essas imagens “acima de ultra-secretas” estariam completa e abertamente disponíveis a um clique de distância na Internet? Pois bem, elas estão! Clique na imagem abaixo para o conjunto completo de dados de imagem da Phobos 2 VSK:
A imagem à direita parece familiar? É porque é a imagem original com o “OVNI de 25km”. Vejamos ela com mais atenção:
Curioso como a nave alienígena de 25 quilômetros agora parece um gráfico digital mal-feito. Isto é, vêem-se claramente seus pixels, seguindo exatamente os pixels verticais da imagem. Não apenas isso, há também uma linha horizontal atravessando a fotografia infravermelha, que interrompe o “OVNI”, que ainda é interrompido na parte inferior da imagem.
Vocês, espertos leitores e leitoras, já devem ter percebido que o “OVNI” nada mais é do que um artefato digital. “Uma vez que a linha percorre as linhas de varredura da telemetria, peritos estão certos de que é algum tipo de falha de transmissão, e não um objeto real no espaço”, escreveu Jim Oberg.
Mas caso haja alguma dúvida de que esta tenha sido uma falha digital e não uma nave alienígena descomunal perfeitamente geométrica e alinhada com os sensores da sonda soviética, basta Ver a foto abaixo, compilada por Internos2k do fórum ATS, fonte de praticamente toda evidência apresentada aqui:
Note como a falha vertical branca aparece na mesma região em várias imagens, algumas tomadas em 21 de fevereiro, mais de um mês antes da famosa imagem de 25 de março. Ou a nave marciana sempre aparecia exatamente na mesma posição para a câmera, ou realmente havia uma falha eletrônica, que só ocorria no espectro infravermelho – outras imagens em outras faixas de espectro não exibem a falha.
Agora, se ainda houver um mínimo resquício de dúvida – afinal, o conjunto de imagens é apresentado no website da Planetary Society, fundada por ninguém menos que Carl Sagan, deão cético, e como todo bom paranóico diria, “isso aí pode ter sido montado” – basta lembrar que a sonda Phobos 2 perdeu contato com a Terra em 27 de março, dois dias depois da famosa imagem “acima de ultra-secreta”. Muito menos dramático imaginar uma nave gigante que leva dois dias para abater uma pequena sonda.
O “Misterioso OVNI Gigante” é apenas uma falha eletrônica, e a imagem divulgada nos anos 1990 foi deliberadamente recortada para dificultar que isso fosse percebido. Note que a grande falha horizontal percorrendo toda a imagem e interrompendo o “OVNI” vertical não foi publicada pela UFO magazine.Esclarecido este, ainda restam alguns outros “mistérios”.
Temendo a própria sombra
Sitchin publicou em seu livro o rumor sobre uma grande sombra oval sobre Marte. Mistério? Não.
“A explicação é simples”, escreve Internos: “ele nunca viu mais fotos da sombra da lua Fobos, do contrário teria percebido que não é nada incomum. De fato essa é a aparência normal da sombra da lua marciana, sob certas circunstâncias”.
E é assim que a simples sombra da própria lua Fobos sobre Marte foi vendida como um “mistério”. Abaixo está esta sombra nada misteriosa capturada pela sonda européia Mars Express em 2005 (clique para mais informações no sítio ESA):
Este desserviço público de promover uma sombra prosaica como algo inexplicado vem do homem que é supostamente consultor da NASA e exímio entendido em assuntos arqueológicos e espaciais.
Não seria o primeiro, ou melhor, o último incidente onde Sitchin cria mistérios não-existentes a partir da distorção de dados científicos corriqueiros. Em “Os 223 Genes (de Sitchin)” mostramos como este vendedor de histórias distorceu descobertas anunciadas pelo Projeto Genoma para apoiar sua tese de deuses astronautas.
E a propósito de vendedores de histórias mirabolantes, voltamos à fonte da imagem “acima de ultra-secreta” do suposto OVNI de 25 quilômetros que era apenas uma falha eletrônica. De acordo com a UFO magazine:
“A doutora Marina Popovich, ex-piloto de teste soviética que fez várias viagens aos EUA para partilhar suas opiniões sobre a questão OVNI, disse à nossa revista que o incidente foi discutido com o Secretário-Geral Soviético Mikhail Gorbachev e o presidente Bush na Conferência de Malta. A foto foi dada à doutora Popovich, ela diz, pelo cosmonauta soviético Leonov em junho de 1989, e teria sido tomada com câmeras infravermelhas a bordo da malfadada nave soviética. De acordo com os russos, o longo objeto elipsóide visto nos arredores de Fobos tinha 25 quilômetros de comprimento”.
Popovich. Este é um nome do qual não se lê muito hoje em dia em publicações ufológicas, mas que há vinte anos pipocava em histórias das mais selvagens. Isto porque Marina Popovich realmente foi uma notável piloto de testes soviética, o que contudo não significa que o que ela contasse sobre discos voadores fosse verdade, a despeito do que vendedores de histórias lhe dirão.
Nada melhor do que um dos mais notórios casos em que Popovich também foi fonte principal para ilustrar o ponto. É o “Marciano que usava Zíper”, uma imagem muito famosa na década de 1990 em círculos ufológicos, que chegou a ser mesmo capa da revista UFO brasileira:
Descubra toda a história por trás desta infame fotografia no artigo de Luis Ruiz Noguez. Porque, ao final, a exclusiva, inédita, bombástica fotografia do “extraterrestre de Roswell” divulgada por Popovich era apenas um boneco de cera. E não apenas um boneco de cera qualquer: um boneco exibido a milhões de visitantes durante três anos, de 1978 a 1981, em um pavilhão de exposições no Canadá!
O detalhe mais delicioso desta história, envolvendo nomes indo de Popovich a Hynek e Friedman, é que a artista, Linda Corriveau, ao final exibiu a escultura de cera em um expositor de alumínio e Plexiglas originalmente criado para abrigar o Gigante de Cardiff, uma notória fraude do século 19.
Algumas coisas mudam rápido. Há vinte anos, imagens xerocadas de origens das mais prosaicas eram partilhadas por vendedores de histórias crédulos – ou mesmo de má-fé – a impressionáveis espectadores em conferências OVNI, gerando rumores sobre rumores, propagados e aumentados em boletins, livros e tornando-se lendas. Um artefato digital de uma sonda espacial a milhões de quilômetros de distância tornava-se uma nave alienígena prestes a atacar, em uma imagem hiper-ultra-secreta alvo de encobrimento e discussões entre líderes mundiais. Um boneco de cera visto por milhões se tornava a primeira imagem conhecida dos extraterrestres de Roswell. Levaria anos até que jornalistas profissionais contatassem peritos espaciais de verdade e esclarecessem naves marcianas ou até que a própria artista responsável pelo boneco de cera encontrasse para sua surpresa seu boneco vendido como um alienígena real.
Em tempos de Internet, fotos da carcaça de uma preguiça podem causar certo alvoroço, mas são esclarecidas em um par de horas e então, o esclarecimento chega a milhões uma semana depois. É mais difícil vender macaquices hoje em dia.
Outras coisas, no entanto, não mudam, para alegria dos vendedores de histórias. Artefatos digitais, como os da Phobos 2 em 1989, ainda são promovidos como OVNIs gigantes no espaço, ainda que a NASA tenha esclarecido os rumores logo em seu nascedouro. A revista UFO brasileira repetidamente vende a lenda do contato da Salyut 6, uma história tão falsa quanto a foto da Phobos 2 e que abordaremos em um próximo artigo.
A credulidade e a vontade de acreditar não mudam. Que o boneco de cera de Popovich fosse exibido no mesmo expositor que o Gigante de Cardiff original de um século antes não é mera coincidência.
Bônus
Enquanto temos o conjunto completo de imagens da Phobos 2 através da Planetary Society de Sagan, é interessante notar que o primeiro livro do popular astrônomo foi em co-autoria com o colega soviético Iosif Shklovsky, que em 1959 foi o primeiro a sugerir que anomalias na órbita da lua marciana poderiam ser explicadas caso ela fosse oca, e mais: que poderia ter origem artificial. Isso mesmo, Shklovsky sugeriu que a lua Fobos poderia ser uma nave alienígena lançada há milhões de anos. Ao contrário de outros que viriam anos depois, como Sitchin, Däniken e cia, o astrônomo soviético deixou claro que eram especulações. No livro que escreveu com Sagan, ambos foram também pioneiros a analisar a tese de antigos astronautas, separando a especulação dos fatos.
Estudos posteriores da lua marciana, incluindo pela própria sonda Phobos 2, refutariam a especulação de Shklovsky, mas é possível que o rumor de naves alienígenas gigantes em torno de Marte tenha reverberado mais forte com esse histórico.
Fonte: Ceticismo Aberto
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